Um homem frontal
Conheci Tito de Morais, em Paris, era eu ainda jovem, numa situação que não mais esquecerei. No começo dos anos 70, o António Macedo, o Zenha e eu fomos ter com o Mário Soares, então no exílio.
Ao chegar a Paris, de comboio, dado que o Zenha e o Macedo seguiam por precaução, em aviões diferentes, o Mário Soares disse-me que tínhamos de ir ao encontro do Tito de Morais porque ele tinha chegado de Itália, onde vivia, e entrar clandestinamente em França, País de onde tinha sido expulso.
Ir conhecer pessoalmente um homem do qual já tinha ouvido falar muitas vezes e que por razões políticas tivera de fugir do seu País e ser expulso de outro, o qual eu tinha como o berço da liberdade, excitava-me a curiosidade.
Adorei conversar com ele e não mais esquecerei a sua imagem quando me acompanhou até à estação de Paris para o meu regresso a Portugal. Ainda hoje retenho com precisão e alguma emoção, o olhar fixo, o gesto calmo e aquele sorriso simpático do Tito agarrado à minha mão a dizer-me – façam tudo, tudo o que poderem para libertar aquele País. Não é por mim, eu cá vou resistindo até morrer de saudades, é por aqueles milhões de pessoas.
Impressionou-me e gravei na memória o seu desprendimento pessoal por não ter naquele momento manifestado unicamente o desejo de poder vir comigo para o País que tanto amava.
Mais tarde, ainda antes do 25 de Abril, voltei a encontrá-lo em Vigo onde o Macedo e a mulher, o Arnaut e a mulher, e eu e a minha mulher nos fomos encontrar com o Mário Soares e a Maria de Jesus, o Ramos da Costa e o Tito de Morais. Nesse dia levámos ao conhecimento deles a primeira reunião dos militares de Évora, militares esses que mais tarde desencadearam o 25 de Abril. Era dar-lhes uma esperança, ainda que remota, da liberdade.
Se recordo estes factos, é para dizer que desde muito novo me habituei a admirar e a respeitar este homem de convicções firmes e de grande coragem. Após o 25 de Abril teve uma vida dedicada ao Partido e à causa do Socialismo.
Não é um homem que faça política charmosa ou que silencie os problemas, conheci o Tito de Morais sempre frontal, por vezes mesmo agreste e teimoso na defesa dos seus pontos de vista.
O Partido deve muito a esta forma de ele estar na política, provocando a discussão e tomada de decisão emergia o Tito de Morais solidário e fraterno sem o mais pequeno ressentimento.
É um Homem admirável, de uma grandeza que toca a todos os que tiveram o privilégio de com ele conviver. Viveu uma vida cheia de luta por princípios e ideias sem nunca ter transigido.
É um dos grandes do meu País e um dos maiores do meu Partido.
António Campos
Fonte: Portugal Socialista 214 – Outubro de 1996