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Comemorações do Centenário do nascimento de Manuel Tito de Morais

05
Jul10

Memória de um amigo

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Manuel Alfredo Tito Morais Memória de um Amigo Tito Morais foi-me apresentado em Paris por Mário Soares, num fim-de-semana de reuniões políticas no âmbito das actividades da então Acção Socialista Portuguesa, organização que precedeu e deu origem ao Partido Socialista actual.

Estávamos na segunda metade dos anos sessenta, ainda com Salazar no poder, a guerra de África já instalada nas três colónias de Angola, Moçambique e Guiné e uma repressão política violenta e selectiva.

Os jovens eram mobilizados em massa para a guerra e a oposição na Universidade, após um auge de movimentação estudantil na crise de 62 e nas lutas de 65, estava decapitada pelas prisões e exílios que dizimaram o movimento. Cá dentro, os que escaparam, tentavam reanimar o movimento estudantil mantendo as Associações dos Estudantes em funcionamento e mesmo com algum desenvolvimento nas suas actividades desportivas, pedagógicas, turismo estudantil e sociais. A coordenação interassociações foi-se mantendo a nível local e nacional e em 67 organizou-se em Lisboa a primeira grande manifestação em Portugal contra a guerra do Vietname.

Mas o regime estava sólido, as Forças Armadas cumpriam a sua missão com lealdade ao poder político e longe estávamos da convicção generalizada que a guerra não era solução para o problema colonial.

Pela parte da Acção Socialista, era defendida uma abertura imediata de negociações com os movimentos de libertação, com compromisso dum caminho da autodeterminação e independência, caso fosse esse o desejo livre dos respectivos povos.

Tito Morais, o Tito como todos os mais chegados lhe chamávamos, não tinha qualquer dúvida que a solução acabaria por ser uma independência total das colónias, e que a doutrina salazarista dum só País pluricontinental não tinha qualquer viabilidade nem razão moral ou histórica, inviabilizando um concerto entre países livres e independentes, multirraciais, de língua portuguesa e de culturas com profundas raízes comuns e enormes interinfluências de séculos de convivência.

Salazar parece não ter conhecido o exemplo do Brasil e esqueceu, como uma “branca” definitiva lhe tivesse dado, a vergonha do Estado da Índia, cristã e portuguesa, que por falta de visão deixou perder.

A minha amizade e harmonia com o Tito não foi difícil de iniciar. Em adolescente tinha sido amigo próximo do seu filho João Manuel, meu colega no Colégio Moderno. Perdemos o contacto pois o João Manuel exilou-se para o Brasil e estivemos sem nos ver até Abril de 74. As nossas ideias eram em geral coincidentes, ainda que muitas vezes o considerasse demasiado radical. Talvez o facto de estar exilado em Roma lhe desse uma visão mais afastada de algumas situações que eu, que sempre vivi em Portugal, analisava de forma diferente. Nos princípios era inflexível, embora razoável e conciliador na acção política concreta.

Pela geração a que pertencia, pela sua formação e pela sua vivência, era claramente um homem de esquerda, aquilo que poderíamos chamar, da grande família da Esquerda Portuguesa.

Aquela ideia hoje divulgada por muitos que as distinções entre Esquerda e Direita estão esbatidas quer pela “morte” das ideologias, quer pela necessidade da Sociedade e da Economia dum pragmatismo permanente e sempre presente em todas as grandes decisões, não tinham qualquer sentido para Tito Morais e apenas representavam uma forma nova, inteligente e insidiosa, de manter a exploração dos mais fortes sobre os mais fracos.

A minha situação profissional como quadro duma importante multinacional italiana da indústria farmacêutica fazia-me deslocar a Itália com alguma regularidade e, por vezes por períodos longos. Este facto fez com que visitasse o Tito e a Maria Emília, sua segunda mulher, amiúde. Sempre que podia dava um salto a Roma e ficava em sua casa, partilhando por alguns dias um quotidiano difícil, onde o dinheiro não abundava e, algumas vezes que por lá passei, senti mesmo que passavam mal.

Nesse tempo, no princípio dos anos 70, o Partido Socialista Italiano ajudava a Acção Socialista, particularmente na publicação do nosso jornal oficial que se chamava Portugal Socialista e que trazíamos à socapa para o interior do País.

Era Tito Morais que se encarregava de quase tudo, com ajuda da Maria Emília e do seu filho mais velho. Os artigos eram recebidos de diversas fontes de camaradas no exílio ou do interior, do próprio Tito e dum colaborador muito especial e dedicado que se chamava e chama, Mário Soares.

Mário Soares visitava frequentemente o seu amigo Tito, particularmente quando esteve exilado em Paris. Penso mesmo que terá sido quem mais o visitou nessa estadia forçada em Roma. Pelas razões atrás referidas creio bem que eu próprio fui o membro da ASP e posteriormente do PS, o português quem mais o visitou e partilhou as suas esperanças, a sua coragem e tenacidade na luta pela Liberdade em Portugal. Temos que nos organizar em todos os sectores da sociedade portuguesa, dizia, não só nas universidades e entre os intelectuais, mas também nos meios operários, nos serviços e nos meios rurais. Era sua convicção que o ideário do Socialismo em Liberdade, como lhe chamámos em 1969 ou Socialismo Democrático como lhe chamamos desde os anos 70, era maioritário em Portugal e que umas eleições livres e participadas o iriam demonstrar. Tinha toda a razão.

Pessoas como o Tito fazem falta e fazem-nos muita falta. São referências permanentes que, quando presentes nos estimulam à acção e à constante atenção na coerência dos nossos princípios com os nossos procedimentos.

Aproveitemos o centenário deste herói da Resistência e da Liberdade para revisitar os princípios que fazem grandes as nações. Os princípios da liberdade, da solidariedade e da convivência humana com tolerância, responsabilidade e respeito pelo próximo.

Pedro Coelho

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05
Jul10

Manuel Tito de Morais e o 25 de Abril

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Nascido no ano da instauração da República e filho de um dos seus fundadores, o oficial da Armada e posteriormente Almirante Tito Augusto de Morais, a República estava no código genético de Manuel Tito de Morais. Mas mais do que essa condição genuína, tornou-se também uma opção consciente e racional quando, desde muito jovem, a sua vida passou a ser conduzida pelas decisões por si próprio responsavelmente assumidas.

O Engenheiro Tito de Morais foi um republicano indefectível, que não via a República apenas como uma forma de Estado assente no reconhecimento de que a soberania reside no povo e na recusa de caducos modelos aristocráticos inspirados em privilégios de casta. Associava-a também a um tipo de sociedade que tem como valores axiais a liberdade e a igualdade, isto é, direitos e deveres iguais para todos os cidadãos independentemente das suas origens. E por isso quando, ainda estudante liceal, a República foi deposta pela ditadura militar emergente do 28 de Maio de 1926 que deu lugar ao regime fascista do Estado Novo, Tito de Morais não hesitou na escolha do seu caminho, a luta pela restauração da legitimidade republicana e da liberdade democrática. Cedo começou a conhecer a repressão da PIDE, as prisões e os Tribunais Plenários.

E porque era aquele o modelo de República em que acreditava, o seu sentido de liberdade não podia limitar-se ao âmbito restrito do seu país. Para ele os valores da república eram universais pelo que, estando em Angola em pleno período colonial quando o continente africano atingia o ponto decisivo da luta dos seus povos pela libertação do domínio colonial, Tito de Morais não teve dúvidas que o seu campo era o dos nacionalistas que heroicamente se organizaram na luta pela independência e iniciaram a luta armada em 4 de Fevereiro de 1961. Preso em Luanda em condições muito difíceis, torturado, sobreviveu, porque era dotado de uma notável resistência física e anímica. Seguiu-se o exílio, em vários países da Europa, da América do Sul e Norte de África, sempre integrando as mais activas frentes da luta contra a ditadura colonial do Estado Novo. Mas, e mais uma vez porque não tinha da República e da democracia uma perspectiva meramente formal, considerando-as indissociáveis de um conteúdo mais substancial que contemplasse o desenvolvimento material, a justiça social e o enriquecimento cultural, Manuel Tito de Morais perfilhava empenhadamente os ideais socialistas e integrou o grupo mais dinâmico que fundou o Partido Socialista em 1973.

O 25 de Abril de 1974 abriu as portas para o seu regresso à Pátria, entregando-se de corpo inteiro na construção do Portugal livre, democrático e progressista que fora o objectivo de toda a sua vida. Jamais esqueceu isso e foi dos que nunca escondeu nem esmoreceu o apreço pelos jovens capitães de Abril, da mesma forma que estes nunca deixaram de reconhecer nele um dos muitos lutadores pela liberdade que, com o seu sacrifício, foram verdadeiros precursores do 25 de Abril.

Gozei do privilégio de Manuel Tito de Morais me incluir entre os seus amigos. Também eu lhe dedicava uma profunda amizade e um enorme respeito. Creio que se justifica usar o lugar-comum: era, para mim, uma referência cívica. Tivemos longas conversas, a maioria das vezes em sua casa, por iniciativa de um ou do outro. Trocávamos impressões, analisávamos a conjuntura política, equacionávamos hipóteses para contrariar uma situação que cada vez deixava mais longe os ideais de Abril. Tito de Morais era mesmo, por vezes, crítico em relação ao seu partido, mas era-lhe de uma fidelidade total e nunca sequer equacionou a eventualidade de uma dissidência. O seu lugar e a sua luta era dentro do Partido Socialista, do qual foi presidente.

No Portugal de Abril Tito de Morais foi deputado constituinte, deputado legislativo, membro do governo. E atingiu o segundo lugar na hierarquia do Estado ao ser eleito pelos seus pares presidente da Assembleia da República. E, nessa qualidade, não posso esquecer um gesto simbólico, mas que no seu simbolismo o dignifica e confirma o que aqui venho dizendo da sua ligação afectiva aos capitães de Abril. Quis, exactamente na qualidade de presidente da Assembleia da República, o órgão de Estado que mais legitimamente representa a soberania popular e, portanto, a natureza democrática da República, que constitui a mais genuína expressão dos objectivos institucionais do 25 de Abril, manifestar publicamente esse reconhecimento aos militares do Movimento das Forças Armadas. Foi assim que reuniu, a seu convite e em representação do MFA, umas largas dezenas de militares num almoço que constituiu uma significativa manifestação de mútua consideração e apreço. Até porque tal aconteceu numa altura em que, com a primeira revisão constitucional que extinguiu o Conselho da Revolução – o que era para os seus membros pacífico, mas que foi feito em termos pouco dignificantes –, começavam a ouvir-se vozes oriundas de certos sectores políticos tentando denegrir a imagem honrada dos militares de Abril. Tito de Morais quis, corajosamente como era seu timbre, demarcar-se dessas campanhas e aderiu prontamente à Associação 25 de Abril, logo que os respectivos estatutos o permitiram.

A Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, com que foi agraciado, é a justa consagração do Portugal Democrático a um Homem cuja vida foi uma infatigável luta contra a ditadura, contra o colonialismo e, restaurada a liberdade, fez questão de se assumir por inteiro como Cidadão de Abril.

Pedro Pezarat Correia

© CCTM (140)

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Nota do Webmaster (2022)

Este Blog está, como se pode ler no "feed", selado para memória desde o dia 2010.07.29, data em que a Comissão Executiva das Comemorações do Centenário do nascimento de Tito de Morais se extinguiu.
O tempo (12 anos), em termos de evolução tecnológica, é inimigo das selagens e o Blog, para que continue a reflectir a memória, teve de ser tecnicamente “desselado” para manutenção.
Na minha qualidade de webmaster reactivei as imagens, uma vez que a base de dados onde estavam alojadas foi descontinuada, e procedi a alguns ajustes para permitir que este acervo se mantenha funcional. Estes trabalhos decorreram entre 14 e 25 de Setembro de 2022
Se em relação ao texto fica a garantia de praticamente nada ter sido alterado, com excepção de alguns links externos entretanto quebrados ou já inexistentes, já no grafismo original houve que fazer pequenos acertos.
A nota justificativa está registada na última (primeira) página do Blog.
Luís Novaes Tito
luismariatito@gmail.com
2022.09.25

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