Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

CCTM

Comemorações do Centenário do nascimento de Manuel Tito de Morais

09
Jul10

Artífice da edificação do Partido Socialista

CCTM

20100702PortugalSocialista22JoseNeves.jpg

Tito de Morais é uma figura incontornável do socialismo em Portugal. Homem de princípios, combatente contra a ditadura fascista e o colonialismo, lutador pela liberdade e pelo estabelecimento da democracia em Portugal, a sua acção política foi determinante para a criação do Partido Socialista.

Quando se comemora o centenário do nascimento de Tito de Morais e se impõe dar a conhecer a sua obra, não é demais repetir, ainda que numa brevíssima resenha, algumas notas da acção política do indomável resistente e combatente pelos ideais do socialismo.

Filho de revolucionário da instauração da República, a sua acção política iniciou-se cedo, tendo logo aos 16 anos participado numa greve de estudantes do Liceu Camões, episódio que lhe acarretou a agressão de um agente da repressão da ditadura. Foi o seu baptismo de fogo. Dir-se-ia que este incidente teve um efeito catalisador e Tito de Morais nunca mais parou na sua luta contra a opressão e pela liberdade.

O combate de Tito de Morais acarretou-lhe profundas atribulações a vários níveis. Sofreu várias prisões – entre outras, por integrar o MUD e participar nas campanhas eleitorais de Norton de Matos e Humberto Delgado – demitido de empregos, não podendo exercer uma actividade profissional como engenheiro, e por fim o exílio para onde foi empurrado. E foi nesta situação que Tito de Morais, longe dos esbirros da ditadura, deu largas à sua imaginação revolucionária e desenvolveu uma acção política consequente.

Em 1964, na Suíça, Mário Soares, Tito Morais e Ramos da Costa criam a Acção Socialista Portuguesa (ASP). Dois anos mais tarde foi decidido que Tito de Morais, depois de actividade política no Brasil e na Argélia, fixasse residência em Roma. Estavam criadas condições para uma nova fase de luta contra a ditadura.

Tito de Morais começou por dar especial atenção aos contactos na área internacional, participando em conferências e congressos de prestigiados partidos e organizações europeias, dando a conhecer a situação política em Portugal e obtendo significativos apoios para a luta dos socialistas no país.

O “Portugal Socialista”, criado em 1967, foi um instrumento de luta contra o fascismo e concebido para, no quadro da ASP, ‘contribuir para a estruturação política e organizativa dos socialistas portugueses’. Este tema da organização foi uma constante das preocupações de Tito de Morais, e não foi por acaso que no primeiro número desta publicação o tema é abordado e recorrente em várias edições seguintes.

Sendo este jornal uma publicação produzida em Roma, é de imaginar as dificuldades na sua distribuição em Portugal, obstáculo suplantado pela criatividade do fundador e director do jornal, Tito de Morais, tendo sempre conseguido que as edições circulassem em Portugal.

Outro aspecto a destacar foi o contacto com os emigrantes. A ASP era um movimento preocupado com a formação política e a intervenção dos trabalhadores. Não foi por coincidência que o “Portugal Socialista” foi fundado no dia 1º de Maio – o Dia do Trabalhador. Tito Morais promoveu encontros com trabalhadores em vários países europeus, de que resultou a criação de Núcleos ASP e que veio a reflectir-se de forma positiva no Congresso da fundação do Partido.

Em síntese, as acções políticas de Tito de Morais no exílio, com o empenho, a dedicação e o estímulo que promoveu em toda a sua actividade para o trabalho progredir, o recrutamento de militantes e a expansão da ASP, concorreram de forma decisiva para a criação das condições necessárias que levaram à fundação do Partido Socialista.

No Congresso da fundação, organizado sob sua responsabilidade, apresentou dois documentos: Política Interna da ASP e Problemas de Organização. É certo que são documentos datados, mas onde não falta espaço para alguma presciência política quando reflecte sobre o futuro, admitindo o derrube do regime fascista pelas forças armadas. Regista-se também a sua preocupação ideológica de uma comunidade solidária e fraterna ao afirmar “… não aceitar nada que possa comprometer a construção, embora por fases sucessivas, da sociedade socialista”.

Após a Revolução redentora dos militares de Abril, Tito Morais regressou a Portugal depois de 13 longos anos no exílio, não se deslumbrou por cargos de prestígio social e colocou todo o seu empenhamento na organização do Partido Socialista. Como 1º Secretário Nacional ficou instalado na sede nacional, dirigiu múltiplas áreas políticas e formou equipas que, sob sua orientação, implementaram o Partido a nível nacional.

Tito de Morais continuou a servir o Partido Socialista exercendo vários cargos, de que se destacam, a nível institucional, o de Presidente da Assembleia da República, e a nível partidário, o de Presidente do Partido Socialista. O ex-exilado, exercendo então funções do maior prestígio nacional, continuou igual a si próprio, na sua modéstia e integridade. Manteve-se durante toda a vida como o guardião dos valores do socialismo, e encontramo-lo, em Maio de 1992, no seu “Portugal Socialista”, a escrever: “Vem-se acentuando no seio do Socialismo democrático a tendência de, por razões eleitoralistas, se adaptarem os modelos neoliberais existentes que vão tornando os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres e, para mascararem esta tendência, afirmam que se trata de uma ‘MODERNIZAÇÃO’.”

Estas breves notas, de apenas alguns aspectos relevantes da acção política de Tito de Morais, são suficientes para o colocar na galeria da História do Socialismo em Portugal, como vulto do maior destaque que não se poupou a esforços na luta contra a ditadura, para a edificação do Partido Socialista e a institucionalização da Democracia em Portugal.

Tem sido para mim uma grande honra e forte emoção participar nesta bem merecida homenagem a Tito de Morais, com quem tive o privilégio de colaborar como companheiro de exílio, como camarada e como amigo.

A melhor homenagem que devemos prestar a Tito de Morais é prosseguir na defesa dos valores do Socialismo Democrático de que ele sempre foi porta-voz.

José Neves

© CCTM (152)

09
Jul10

Esta viagem a Tito de Morais é uma passagem geracional de testemunho

CCTM

20100702PortugalSocialista23LuisNovaesTito.jpg

Poder imaginar Tito de Morais com cem anos a partir da memória de há trinta e seis é um exercício difícil para quem com ele partilhou a energia verde do olhar e vermelha dos cravos, da solidariedade e da fraternidade que sempre distribuiu a quem com ele se cruzou.

Imaginar o País que ele queria e por quem nunca vacilou no seu querer, é colocarmo-nos num patamar de progresso social e económico ao nível das democracias sociais da Europa do Norte, modelo de desenvolvimento que o Tito ambicionava para o Portugal moderno, afastado da miséria e da desigualdade contra a qual lutou e que lhe custou a diáspora, o exílio, a prisão, a tortura e o afastamento dos seus.

Imaginar a civilização e a cidadania que Manuel Tito queria, quando se bateu no Governo pelos direitos dos trabalhadores e na Assembleia da República pela dignificação pela ética, pelo trabalho, pelo esforço e pela humildade dos representantes do povo, é entender a lógica e a determinação, que alguns apelidavam de teimosia, de um pensamento claro e dirigido ao serviço público, à abnegação, à valorização da coisa política e do bem comum.

Esta Comissão Executiva das Comemorações do Centenário de Tito de Morais teve por objectivo promover um conjunto de acções que convocassem a memória para os princípios de um dos homens que, no Século XX, foi dos maiores impulsionadores do regresso de Portugal à democracia europeia e um dos lutadores para que todos os cidadãos tivessem as mesmas oportunidades e se pudessem expressar e agir em liberdade.

Para desenvolver o meu trabalho na Comissão Executiva tive de manipular documentos que não via há anos, imagens que me recolocaram no século passado, informações que já são história e a partir daí projectar, como o Tito fazia, um futuro que sendo presente fica muito aquém do futuro que ele projectava numa visão correcta do conceito de liberdade.

Tito sabia que liberdade não era uma abstracção nem um valor teórico e de retórica. Tito defendia que a Liberdade tinha de ser “para fazer” e que só há liberdade para fazer quando o saber não é ignorância, quando a cultura não é desconhecimento e quando os movimentos, a imaginação e a criatividade não estão restringidos pela miséria, pelo desemprego e pela desigualdade de oportunidades.

Recordar Tito de Morais não é um retorno ao passado, mas uma projecção na sociedade que ele defendeu toda a vida com determinação frontal e é acompanhar a visão de progresso social e económico baseada nos seus conceitos de integridade intocável, por impoluta, e na honestidade do pensamento e da acção.

Foi uma honra ajudar a não deixar que o seu exemplo se perca na voraz superficialidade dos dias que correm. É um orgulho ter sido seu colaborador nos momentos de poder que a liberdade permitiu ao povo atribuir-lhe por voto secreto e universal. Poder que, sou testemunha, sempre usou em prol do bem comum e com a ambição de proporcionar a quem o investiu, retorno de justiça e de bem viver.

Esta viagem a Tito de Morais é uma passagem geracional de testemunho. É um apelo aos jovens para que compreendam que sem os valores universais dos direitos da humanidade que guiaram a sua vida, o futuro não tem sentido.

Como ele sempre fez e assinou, deixo-lhe este testemunho solidário e fraterno com um apertado e afectuoso abraço do camarada e amigo.

Luís Novaes Tito
Coordenador da Comissão Executiva das CCTM

© CCTM (151)

09
Jul10

Um socialista praticante

CCTM

20100702PortugalSocialista24ManuelAlegre.jpg

Foi em Angola que pela primeira vez ouvi falar de Tito Morais, da coragem com que se opôs à matança de africanos na sequência do 4 de Fevereiro, da sua posterior prisão e transferência para Lisboa. Mais tarde, estando eu no corredor do isolamento da prisão da PIDE, em Luanda, ouvi, uma noite, uma estranha emissão de rádio cujos ecos me chegavam dos gabinetes dos agentes da PIDE, perto da minha cela.

Uma voz feminina e uma voz masculina. Falavam da luta contra o fascismo e a guerra colonial, por um Portugal livre e democrático. Soube depois que era uma nova rádio da resistência, sediada em Argel, a Voz da Liberdade, emissora da Frente Patriótica de Libertação Nacional. A voz feminina era a de Stella Piteira Santos, a masculina de Tito Morais, que viria a encontrar em 1964, precisamente em Argel na Voz da Liberdade.

Impressionou-me a sua elegância, a sua serenidade, a sua firmeza de convicções. Estava acompanhado de grande parte da família de que era um patriarca. A sua casa estava sempre aberta para receber quem precisasse e à sua mesa havia sempre lugar para os exilados mais desamparados.

Era um cavalheiro e um resistente. Desde que nos conhecemos começou a falar-me da necessidade de se construir um Partido Socialista. Nessa altura, ele representava na FPLN, a Resistência Republicana e Socialista. Mas a sua convicção era que, sem um Partido Socialista, não seria possível derrubar a ditadura. Mais do que um objectivo, era quase uma obsessão. De certo modo, sozinho, ele era já o Partido Socialista, de que viria depois, com Mário Soares e Ramos da Costa, a ser um dos principais fundadores. Mas eu recordo-o assim: Temos de fazer um Partido Socialista. Ou então, na passagem do ano, em que invariavelmente ele brindava sempre da mesma maneira: Para o ano em Portugal.

Era um voluntarista. Para ele, nunca nenhum combate estava perdido. E nenhum objectivo era impossível. Era uma força que lhe vinha de dentro, da firmeza inquebrantável do seu ideal socialista e da sua irredutível oposição ao fascismo e a qualquer forma de opressão e exploração.

Partiu para Roma para abrir caminho à formação do seu Partido Socialista. Aí, com a solidariedade dos socialistas italianos e a colaboração dos seus camaradas, começou a publicar o Portugal Socialista, que de Roma vinha para o interior do país e começou a funcionar como um elo de ligação e um factor de organização.

Estivemos juntos em Roma, na Conferência Europeia dos resistentes antifascistas.

Mas foi depois do 25 de Abril que a nossa amizade se estreitou ainda mais e se tornou indestrutível. Foi em grande parte por ele, pelo António Arnaut e pelo meu cunhado António Portugal que acabei por ingressar no Partido Socialista, que ele, como eu, escrevia sempre por extenso.

Consideravam-no teimoso. E era. Mas por fidelidade ao seu entendimento do que devia ser o Partido Socialista. Se estivesse convencido da sua razão, ninguém o conseguia demover.

Recordo três episódios em que, como em muitos outros, estivemos lado a lado.

Suspendemos o mandato de deputado por 15 dias, para não votarmos a primeira revisão constitucional, como protesto pelo facto de não se respeitar uma negociação feita com o MFA no sentido de, antes da votação, ser prestada homenagem à coerência com que os militares de Abril cumpriram a promessa de devolver o poder aos representantes do povo democraticamente eleitos.

Num congresso do Partido Socialista, em que se apresentou uma proposta de revisão do Programa do partido, feita à pressa e sem consistência, nós apresentámos uma moção contra, assinada por nós os dois.

Defendi a moção na tribuna e o apoio manifestado pelos congressistas tornou claro que a nossa moção seria vencedora. Mário Soares considerou que tal seria desastroso para a preservação do governo do Bloco Central e disse-nos que se a nossa moção fosse aprovada, ele tinha de se demitir de Secretário-Geral. E então o Tito retirou a moção. Por muito grandes que pudessem ser as suas divergências pontuais com Mário Soares, ele considerava, como eu também, que, naquele tempo, a presença de Mário Soares à frente do Partido Socialista era indispensável, não só para o partido, como para a própria consolidação da democracia.

A certa altura houve uma aproximação com aquilo que considerávamos a “ala tecnocrática”. Com razão ou sem ela, fomos contra. Tito, Jaime Gama, José Luís Nunes, Carlos César, Jorge Campinos, alguns outros. Reunião terrível, na Cooperativa dos Pedreiros, no Porto. Saímos do Secretariado. Mais tarde o novo Secretariado entraria em conflito com Mário Soares quando este retirou o apoio a Eanes e se auto suspendeu de Secretário-Geral. Tito veio ter comigo e com Almeida Santos e foi peremptório: temos de apoiar o Mário. E apoiámos, nós três e poucos mais. Pelas mesmas razões de sempre: a autonomia política do Partido.

Podia contar muitos mais episódios de divergências e convergências. Mas o que fica de Tito é o retrato de um homem de um só rosto e um só parecer.

Um socialista praticante. Um resistente. Um homem que viveu sempre do lado esquerdo da vida. Nas ideias e na prática. E também na amizade. Sem nunca deixar de ser um gentleman.

Manuel Alegre

© CCTM (150)

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Contactos

Largo do Rato nº 2
1269-143 Lisboa
(inactivo)
cctm@sapo.pt (inactivo)
ATM - Associação Tito de Morais
Rua Abel Salazar, 37B
Alto da Faia
1600-817 Lisboa
titomorais@titomorais.pt (ATM)
luismariatito@gmail.com (webmaster)

ATM

Nota do Webmaster (2022)

Este Blog está, como se pode ler no "feed", selado para memória desde o dia 2010.07.29, data em que a Comissão Executiva das Comemorações do Centenário do nascimento de Tito de Morais se extinguiu.
O tempo (12 anos), em termos de evolução tecnológica, é inimigo das selagens e o Blog, para que continue a reflectir a memória, teve de ser tecnicamente “desselado” para manutenção.
Na minha qualidade de webmaster reactivei as imagens, uma vez que a base de dados onde estavam alojadas foi descontinuada, e procedi a alguns ajustes para permitir que este acervo se mantenha funcional. Estes trabalhos decorreram entre 14 e 25 de Setembro de 2022
Se em relação ao texto fica a garantia de praticamente nada ter sido alterado, com excepção de alguns links externos entretanto quebrados ou já inexistentes, já no grafismo original houve que fazer pequenos acertos.
A nota justificativa está registada na última (primeira) página do Blog.
Luís Novaes Tito
luismariatito@gmail.com
2022.09.25

Links

redes sociais

blogs da casa

outros blogs

outros sítios

institucionais

comunicação social

.

Arquivo