Um ícone da democracia
Mantém-se na nossa memória, como carácter firme e um homem de princípios inabaláveis. Manuel Tito de Morais nunca vacilou perante os obstáculos que as escolhas da sua vida lhe colocaram pela frente. Nascido quando nasceu a República, juntou ao ideal republicano a vontade de liberdade, igualdade e solidariedade, ao lutar, onde estivesse, pelo socialismo democrático. Não se importou com os rendimentos ou com as comodidades do viver, com a segurança de um emprego ou com a doce convivência da família, quando era preciso partir.
Sempre admirei Tito de Morais, mesmo antes de ter tido a honra de com ele trabalhar na Assembleia da República. A sua dimensão política impressionante fez dele um ícone da democracia que ajudou a conquistar e a manter para os portugueses. Ele é, justamente, um vulto entre aqueles “que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando”, como disse o Poeta.
Tive, por isso, imensa sorte em ser por ele convidada para exercer as funções de secretária-geral do nosso Parlamento. Esse contacto mais estreito não só com o político, mas com a pessoa que Manuel Tito de Morais era, permite-me realçar, com amizade e admiração, uma faceta mais pessoal do grande homem. Quase contraditório com o que foi a saga da sua vida, as dificuldades que, a qualquer, um teriam abatido ou azedado o temperamento, em Tito de Morais, tal como o conheci, não apagaram a generosidade não diminuíram a complacência, nem obscureceram uma peculiar elegância de atitude que lhe veio, certamente do berço.
Já admirava Tito de Morais, antes de 1983, ano que foi eleito Presidente da Assembleia da República e me convidou para trabalhar neste órgão de soberania.
Num tempo em que as mulheres tinham ainda acesso restrito e grandes dificuldades em aceder a postos de direcção, marcadamente masculinos, segundo as mentalidades então vigentes, foi algo de muito inovador, direi mesmo, corajoso, nomear uma mulher para aquelas funções. Não admira que tal facto tivesse causado surpresa no nosso Parlamento e, igualmente, nos círculos parlamentares internacionais pois, até aquele ano, nunca nenhuma mulher fora nomeada como secretária-geral parlamentar.
Ao comemorarmos o centenário do nascimento de Tito de Morais não quis deixar de assinalar este pequeno, mas significativo episódio. É justo que a sua história pessoal registe em que variados pontos Tito de Morais marcou a diferença. Na questão da igualdade de género, ele foi, mais uma vez, coerente com os seus princípios, demonstrando em actos concretos o que valia, para ele, o conceito de democracia e de igualdade.
Como Presidente, desempenhou um papel de reformador da maior importância, nada escapando ao seu olhar, preocupado e ao seu desejo de dignificar a Assembleia. Vivia-se ainda um período um tanto conturbado. Pouca preocupação tinha existido, até então, com o aspecto interior e exterior da casa parlamentar. Por isso, no que à Administração dizia respeito, Tito de Morais, sem tempo a perder, tudo começou a restaurar e reformar. Nem os tectos e soalhos, nem os móveis e cortinados, nem os uniformes do pessoal, escaparam à sua preocupação. Foram também iniciados novos estudos para a reestruturação dos serviços e realizadas diligências para o alargamento dos espaços, visando criar mais comodidade ao trabalho dos Parlamentares.
No curto tempo que durou o seu mandato, Manuel Alfredo Tito de Morais prestou, sem dúvida um relevante serviço ao Parlamento e ao seu País.
Maria do Carmo Romão
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