Um ídolo da minha juventude
O centenário do nascimento do nosso querido Tito, em Lisboa, na freguesia de São Sebastião da Pedreira, a 28 de Junho de 1910, três meses antes da Revolução que implantou a República, identifica uma data que tem de ser comemorada, pela dimensão do Homem, cujo nome e obra, se pretende, possam continuar bem vivas em todos nós.
Para quem com ele conviveu, com maior ou menor proximidade, recordamos a homem que nunca recuou perante desafios, reflectindo uma solidariedade que sempre exerceu, a Liberdade pela qual combatia e a enorme coragem que o caracterizava.
A sua memória não pode perder-se. É nosso dever dá-lo a conhecer.
Fui solicitado a produzir para “O República” em Novembro de 2001, um testemunho que referisse o facto de ter tido lugar a atribuição, pela CML, do nome Tito de Morais a uma Rua na Cidade na Freguesia da Charneca. Referi a sua localização num Bairro Novo – “que fora construído sobre coisas doridas que se tinham passado na nossa Lisboa” e, dirigindo-me ao Tito, acrescentei que aquela homenagem toponímica, passados muitos anos, levaria os miúdos que por lá brincavam a interrogar-se sobre quem fora o Tito de Morais?
E assim seria sempre, e sempre alguém poderia responder que fora “um Homem grande” que deixara nesta cidade a “riqueza que construíra, a imagem de simplicidade com que vivera e a liberdade que conquistara”.
Acrescentei, que aqueles miúdos iriam esquecer, mas que outros iriam de novo perguntar quem fora o Tito de Morais e, sempre que tal acontecesse, ele iria viver de novo, e os homens no futuro só se iriam lembrar vagamente que estivera entre nós um Homem-bom, que nos deixara no fim do século XX, mas, naquela rua, ficaria um sentido e uma intenção.
A História, essa, conclui, iria fluir despreocupadamente, desligada de tantos que tornaram a vida mais fácil e que só aqui, e ali, a toponímia recordaria. E um dia, de novo, um miúdo se interrogaria sobre quem fora o Tito de Morais.
Esta comemoração do centenário do seu nascimento é por isso um acto necessário, um testemunho de reavivarmos um passado. É um acto de justiça e de reconhecimento.
Conheci o Tito, teria eu os meus treze anos, passava as férias em Almoçageme, tornara-me amigo dos seus, então, cinco filhos. Era um homem impressionantemente dotado da capacidade rara de nos avaliar, adivinhando as nossas intenções. Era o ídolo daquela juventude, e todos nós sentíamos o seu sentido de fraternidade e a imensa capacidade de conquistar a admiração e amizade, apesar de então só vagamente termos conhecimento do que representava, da sua estatura política, do sacrifício do seu passado recente. Mantive sempre uma admiração profunda pelo Homem e fui conhecendo o Político pouco a pouco.
Mais tarde, muito mais tarde, o Tito, depois de muitas vezes ter sido obrigado a abandonar as suas funções, acabou por se fixar em Angola onde exerceu, como profissional, a sua actividade. De Angola partiu para Portugal em 1961, com residência fixa em Lisboa. Partiu depois para França, autorizado pela PIDE. Mas, impossibilitado de conseguir emprego, acabou por ir para o Brasil e, em 1963, instalou-se em Argel onde participou na fundação da Rádio Voz da Liberdade. Em 1964 fundou em Genebra, na qualidade de dirigente da Junta de Salvação Nacional, (Órgão executivo da FPLN), a Acção Socialista Portuguesa com Mário Soares e Ramos Costa.
No dia 25 de Abril estava em Bona, tendo voltado a Portugal no comboio que partiu de Paris na companhia do Mário Soares e do Ramos Costa.
Os filhos, entretanto, foram pouco a pouco abandonando o País e, finalmente, voltaram no 25 de Abril. Retomamos os contactos e, tendo o Tito aceite exercer funções no 6ºGoverno Provisório, aceitei imediatamente ser o seu Chefe de Gabinete e dediquei-me, com enorme satisfação, a servir directamente um Homem que continuou a dedicar a Portugal a sua imensa capacidade, ajudando a ultrapassar um período difícil da sua governação e suscitando dos seus pares uma admiração que importa ser salientada.
Exerceu nessa qualidade com uma coragem, competência e enorme imaginação, num período da nossa História em que era necessário travar o desemprego, uma função, em que a mudança de procedimentos na política de emprego deixou uma marca assinalável. Foi por isso e também, como Governante, um Homem que se soube impor, e o resultado foi indiscutivelmente de uma qualidade que desejaria hoje ver exercitada, agora que, como então, há problemas que têm de ser ultrapassados.
Mas o desempenho dos cargos que o levaram o Tito de Morais até segunda figura da hierarquia dos Órgãos de Soberania em Portugal, não constituíram um percurso de reconhecimento da sua dedicação à coisa Pública, por todos reconhecida, foram antes o reconhecimento da qualidade do desempenho de um Homem que sabia compreender e gerir as situações, que intuía o que fazer e quando o fazer e, principalmente, que se dedicava e amava a sua Terra e queria responder aos problemas sem afastar as gentes.
Compreendi melhor quando, no Cemitério de Cascais lhe foi recentemente prestada uma homenagem e o Almeida Santos, num curto improviso concluiu, que não foram os políticos que não acarinharam o Tito quanto o merecia, o Tito, afirmou, seria aquilo que quisesse e fora sempre aquilo que escolheu ser. Era um Homem livre, que quis, durante toda a sua vida, ser livre e fraterno.
Obrigado, Tito. Talvez nos vejamos dentro de algum tempo.
Manuel van Hoof Ribeiro
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