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CCTM

Comemorações do Centenário do nascimento de Manuel Tito de Morais

09
Jul10

Um socialista praticante

CCTM

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Foi em Angola que pela primeira vez ouvi falar de Tito Morais, da coragem com que se opôs à matança de africanos na sequência do 4 de Fevereiro, da sua posterior prisão e transferência para Lisboa. Mais tarde, estando eu no corredor do isolamento da prisão da PIDE, em Luanda, ouvi, uma noite, uma estranha emissão de rádio cujos ecos me chegavam dos gabinetes dos agentes da PIDE, perto da minha cela.

Uma voz feminina e uma voz masculina. Falavam da luta contra o fascismo e a guerra colonial, por um Portugal livre e democrático. Soube depois que era uma nova rádio da resistência, sediada em Argel, a Voz da Liberdade, emissora da Frente Patriótica de Libertação Nacional. A voz feminina era a de Stella Piteira Santos, a masculina de Tito Morais, que viria a encontrar em 1964, precisamente em Argel na Voz da Liberdade.

Impressionou-me a sua elegância, a sua serenidade, a sua firmeza de convicções. Estava acompanhado de grande parte da família de que era um patriarca. A sua casa estava sempre aberta para receber quem precisasse e à sua mesa havia sempre lugar para os exilados mais desamparados.

Era um cavalheiro e um resistente. Desde que nos conhecemos começou a falar-me da necessidade de se construir um Partido Socialista. Nessa altura, ele representava na FPLN, a Resistência Republicana e Socialista. Mas a sua convicção era que, sem um Partido Socialista, não seria possível derrubar a ditadura. Mais do que um objectivo, era quase uma obsessão. De certo modo, sozinho, ele era já o Partido Socialista, de que viria depois, com Mário Soares e Ramos da Costa, a ser um dos principais fundadores. Mas eu recordo-o assim: Temos de fazer um Partido Socialista. Ou então, na passagem do ano, em que invariavelmente ele brindava sempre da mesma maneira: Para o ano em Portugal.

Era um voluntarista. Para ele, nunca nenhum combate estava perdido. E nenhum objectivo era impossível. Era uma força que lhe vinha de dentro, da firmeza inquebrantável do seu ideal socialista e da sua irredutível oposição ao fascismo e a qualquer forma de opressão e exploração.

Partiu para Roma para abrir caminho à formação do seu Partido Socialista. Aí, com a solidariedade dos socialistas italianos e a colaboração dos seus camaradas, começou a publicar o Portugal Socialista, que de Roma vinha para o interior do país e começou a funcionar como um elo de ligação e um factor de organização.

Estivemos juntos em Roma, na Conferência Europeia dos resistentes antifascistas.

Mas foi depois do 25 de Abril que a nossa amizade se estreitou ainda mais e se tornou indestrutível. Foi em grande parte por ele, pelo António Arnaut e pelo meu cunhado António Portugal que acabei por ingressar no Partido Socialista, que ele, como eu, escrevia sempre por extenso.

Consideravam-no teimoso. E era. Mas por fidelidade ao seu entendimento do que devia ser o Partido Socialista. Se estivesse convencido da sua razão, ninguém o conseguia demover.

Recordo três episódios em que, como em muitos outros, estivemos lado a lado.

Suspendemos o mandato de deputado por 15 dias, para não votarmos a primeira revisão constitucional, como protesto pelo facto de não se respeitar uma negociação feita com o MFA no sentido de, antes da votação, ser prestada homenagem à coerência com que os militares de Abril cumpriram a promessa de devolver o poder aos representantes do povo democraticamente eleitos.

Num congresso do Partido Socialista, em que se apresentou uma proposta de revisão do Programa do partido, feita à pressa e sem consistência, nós apresentámos uma moção contra, assinada por nós os dois.

Defendi a moção na tribuna e o apoio manifestado pelos congressistas tornou claro que a nossa moção seria vencedora. Mário Soares considerou que tal seria desastroso para a preservação do governo do Bloco Central e disse-nos que se a nossa moção fosse aprovada, ele tinha de se demitir de Secretário-Geral. E então o Tito retirou a moção. Por muito grandes que pudessem ser as suas divergências pontuais com Mário Soares, ele considerava, como eu também, que, naquele tempo, a presença de Mário Soares à frente do Partido Socialista era indispensável, não só para o partido, como para a própria consolidação da democracia.

A certa altura houve uma aproximação com aquilo que considerávamos a “ala tecnocrática”. Com razão ou sem ela, fomos contra. Tito, Jaime Gama, José Luís Nunes, Carlos César, Jorge Campinos, alguns outros. Reunião terrível, na Cooperativa dos Pedreiros, no Porto. Saímos do Secretariado. Mais tarde o novo Secretariado entraria em conflito com Mário Soares quando este retirou o apoio a Eanes e se auto suspendeu de Secretário-Geral. Tito veio ter comigo e com Almeida Santos e foi peremptório: temos de apoiar o Mário. E apoiámos, nós três e poucos mais. Pelas mesmas razões de sempre: a autonomia política do Partido.

Podia contar muitos mais episódios de divergências e convergências. Mas o que fica de Tito é o retrato de um homem de um só rosto e um só parecer.

Um socialista praticante. Um resistente. Um homem que viveu sempre do lado esquerdo da vida. Nas ideias e na prática. E também na amizade. Sem nunca deixar de ser um gentleman.

Manuel Alegre

© CCTM (150)

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Nota do Webmaster (2022)

Este Blog está, como se pode ler no "feed", selado para memória desde o dia 2010.07.29, data em que a Comissão Executiva das Comemorações do Centenário do nascimento de Tito de Morais se extinguiu.
O tempo (12 anos), em termos de evolução tecnológica, é inimigo das selagens e o Blog, para que continue a reflectir a memória, teve de ser tecnicamente “desselado” para manutenção.
Na minha qualidade de webmaster reactivei as imagens, uma vez que a base de dados onde estavam alojadas foi descontinuada, e procedi a alguns ajustes para permitir que este acervo se mantenha funcional. Estes trabalhos decorreram entre 14 e 25 de Setembro de 2022
Se em relação ao texto fica a garantia de praticamente nada ter sido alterado, com excepção de alguns links externos entretanto quebrados ou já inexistentes, já no grafismo original houve que fazer pequenos acertos.
A nota justificativa está registada na última (primeira) página do Blog.
Luís Novaes Tito
luismariatito@gmail.com
2022.09.25

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