Reabilitar o projecto socialista
Manuel Alfredo Tito de Morais, que todos tratavam afectuosamente por Tito, foi um dos camaradas mais íntegros, devotados e generosos que tive o privilégio de conhecer nas lides políticas. Democrata em toda a dimensão ética do conceito e socialista em toda a compreensão redentora da ideia, foi, por isso mesmo, um humanista comprometido com o Povo e com a Pátria. Aliando o pensamento à acção, soube conjugar as atribulações diárias do combate concreto com a utopia radiosa da sociedade sem classes, justa, livre e fraterna com que sonharam os poetas e revolucionários de todos os tempos. Ele sabia que é necessário ousar o impossível para realizar o indispensável.
A ideia socialista, que lhe foi tão cara e que é a ideia mais velha do mundo, parece hoje enclausurada por um capitalismo sem açaimo, desavergonhado e voraz, que colocou impunemente o mundo à beira da catástrofe, obrigando os governos a endividar-se para evitar o colapso económico-social. E agora, que o perigo foi debelado, os especuladores financeiros, responsáveis pela crise, retomam o cenho feroz de donos do nosso destino, fixam as taxas de juros dos empréstimos a que os Estados têm de recorrer e querem obrigá-los, incluindo Portugal, a vender bens públicos para reduzir o défice que eles próprios provocaram!
É preciso romper o cerco, reabilitar o projecto socialista e derrubar as novas muralhas da Jericó. Em memória e em homenagem ao Tito – e a tantos que, como ele, sofreram a prisão e o exílio por fidelidade aos seus ideais – é preciso que o PS respeite o seu compromisso histórico e a sua matriz identitária. Se o mundo mudou e o socialismo democrático enfrenta hoje novas realidades, são ainda iguais os principais problemas que dilaceram as classes desfavorecidas, como o desemprego, a precariedade e a exclusão da cidadania. Não é o mundo que deve mudar as ideias, são as ideais que devem mudar o mundo. Por isso os socialistas têm a obrigação indeclinável de fazer tudo quanto em si caiba, atendendo à situação concreta do país, para reduzir as injustiças e encurtar as desigualdades, cujo agravamento ameaça atingir o ponto de ruptura. A construção do Estado Social, sem cedências nem tergiversações, não é apenas uma decorrência ideológica ou uma exigência constitucional, mas um imperativo categórico. Quer dizer, é uma condição irrenunciável para que o PS mereça o nome que tem e continue a ser o Partido do nosso saudoso Tito. E também para que o título deste jornal, que ele fundou ainda antes da (re)fundação do PS, continue a ser mensageiro da esperança de um “Portugal Socialista”.
António Arnaut
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