Sempre em defesa dos valores republicanos e socialistas
O Eng.º Tito de Morais foi uma das minhas referências políticas. É-o ainda a sua memória.
Conheci-o em Madrid, juntamente com Mário Soares, onde para os encontrar me desloquei, em pleno salazarismo. Mário Soares estava exilado em Paris, e Tito de Morais exilado em Itália. Eu advogava em Lourenço Marques, capital de Moçambique, e vinha com frequência a Lisboa, por motivos profissionais. Encontrava-me com o meu velho amigo Salgado Zenha, com Raul Rego, o Gustavo Soromenho, e os outros revolucionários do costume, que tinha conhecido por intermédio de Soares e Zenha.
O tema do encontro de Madrid foi, como sempre, o problema do Ultramar e o derrube do ditador.
Tito de Morais causou em mim uma forte impressão. O futuro viria a confirmá-la. Ele viria a editar e difundir o “Portugal Socialista” e, mais tarde, esteve entre os fundadores do Partido Socialista.
Reencontrámo-nos na exaltação dos cravos, quando ele e Mário Soares regressaram, livres, a Portugal. Eu estava em Lisboa quando a liberdade eclodiu, vivi a exaltação de ser livre, pela primeira vez, quarenta e oito anos depois de ter nascido e, pouco depois, regressei definitivamente a Portugal para integrar o primeiro governo provisório.
É inimaginável a alegria com que, na cerimónia da posse, pude encontrar a meu lado os meus velhos companheiros de luta Mário Soares, Salgado Zenha e Raul Rego. Além do meu amigo Prof. Adelino da Palma Carlos, como Primeiro-Ministro.
Como entrei para o Governo na qualidade de independente, o PS pôde contar sempre com um voto a mais nas reuniões dos sucessivos governos provisórios – nada menos de cinco – em que participei antes do primeiro governo constitucional. Neste e nos demais de que fiz parte, já votei como militante do P.S.
E foi nos encontros partidários e pessoais, não só como camarada, mas crescentemente amigo, que melhor conheci e crescentemente admirei o Manuel Tito de Morais. Foi para mim, sobretudo, um exemplo de dignidade pessoal. Como lutador político, e sobretudo como agente, foi sempre um corajoso exemplo de aprumo pessoal, rigor funcional, e exigência ética.
Nas reuniões do partido, esteve sempre do lado do respeito pelos princípios e os valores republicanos, democráticos e socialistas. Debalde se lhe oporiam exigências do pragmatismo e da realidade. Foi sempre, nesse sentido, um fervoroso cultor do pensamento utópico. Nunca cultivou a ambição de cargos ou se bateu por eles. Bem ao contrário, rejeitou alguns. No partido foi tudo o que quis ser. Pertenceu sempre aos mais altos órgãos. Fora dele, abriu apenas duas excepções: aceitou ser Secretário de Estado e Presidente da Assembleia da República.
Diferente terá sido a satisfação que um e outro desses cargos lhe proporcionaram. Tito de Morais não era um executivo. Se tivesse querido sê-lo, não lhe teriam faltado oportunidades. Na administração pública e fora dela. Mas não quis.
E não quis, entre outras razões, porque nunca o seduziram as altas honrarias e remunerações, ou mesmo a riqueza em si. Viveu modestamente até ao fim.
Onde terá bebido essa sua tão sedutora personalidade? Decerto nos princípios de ética política a que sempre foi fiel. Mas também nos genes e nos exemplos que herdou de seu pai, um ilustre oficial da Marinha que foi uma figura destacada da revolução republicana de cinco de Outubro de 1910. Bateu-se a partir de barcos surtos no Tejo, e é sabido que, o que mais cedo fez fugir o jovem rei D. Manuel, que não tinha nascido para actos de coragem, foi a bombarda com que um desses barcos logrou atingir o quarto de dormir do rei no Palácio das Necessidades. Em razão disso tomado de pânico, partiu para Mafra, daí para Ericeira, e daí para o exílio, no iate real que tinha estado na origem de um dos escandalosos adiantamentos não pagos à Casa Real, que tanto deterioraram a imagem do rei D. Carlos. Tito de Morais terá herdado de seu pai a mística de aprumo cívico e ético que foi a dominante de toda a sua vida.
Passa este ano o centenário de Manuel Tito de Morais. O País e a República têm para com ele umas dívidas de exemplar cidadania. E se saldássemos essa dívida?
Como seu camarada e amigo; como venerador da sua memória e do seu exemplo, eu veria isso com inultrapassável satisfação. Sei que a Câmara Municipal cogita num busto. Sei que a Assembleia da República programa também uma homenagem. Esses actos são justos. Mas não serão pouco?
António de Almeida Santos
Presidente do Partido Socialista
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