Estórias [ III ] - Momentos de recordação, contra o esquecimento
Foi em 1980 que conheci Tito de Morais. Fizemos a campanha da Frente Republicana e Socialista.
Recordo que fazia parte de um grupo com o Mário Beja Santos também do PS e o António Fontes da ASDI, que só apareceu para um almocito, sendo que eu representava a UEDS.
Pertencia ao grupo minoritário dessa curiosa organização, era membro da comissão política e embora por razões formais tivesse recusado ser candidato tinha participado na comissão do programa da FRS e empenhei-me activamente na campanha.
Com Tito de Morais fiz porta a porta, estive nalgumas fábricas e participei em sessões de esclarecimento. Almocei e jantei algumas vezes com o grupo, a que se juntava de vez em quando algum militante socialista e sempre o motorista. Ficaram-me momentos que recordo.
Na porta de uma fábrica assumira o meu lado esquerdo e distribuía os documentos com o Tito de Morais muito sisudo, pois não, com a ladainha “Contra os contratos a prazo, vota FRS”. Ao almoço sem hostilidade explicou-me o disparate, e eu que o sabia responsável por alguma dessa legislação e que usara o estribilho por vontade de autonomia, fiquei sem argumentos. Não voltei a confrontá-lo.
Numa sessão na Amadora fiz o que julgo uma das minhas 1ªs intervenções fora do circuito estudantil e entrei a matar contra as lógicas urbanas à pato bravo, que dominavam a Amadora, e por uma política ambiental contra a nuclear e por alternativas, etc., etc. No fim recebi, apesar do meu entramelamento, um caloroso abraço. Soube que o António Lopes Cardoso ficou satisfeito.
Num almoço com o Beja Santos a espicaçá-lo, o que não era muito necessário porque Tito de Morais era um contador de estórias da vida, eu, que tinha chegado à UEDS vindo do sector libertário/concelhista percebi o enquadramento e a lógica das políticas do PS e uma leitura magistral das cisões porque tinha passado. A lógica frente popular do Manuel Serra e as suas raízes numa cultura de menor apreço pela democracia política, a cisão entrista/trotskista da Carmelinda sem comentários, esses dois cortes com o registo e a história e ideologia do socialismo democrático e da social-democracia e a ruptura do Lopes Cardoso (personagem também ímpar da nossa democracia a quem preito aqui a minha homenagem) com causas diferentes e que ele premonizava se voltaria a integrar no PS.
Essa e outras conversas marcaram-me e fizeram-me perceber melhor um espírito de serviço público e aproximaram-me do António Lopes Cardoso (quando da crise do/com o Eanes) e viriam a afastar-me dele quando, como Tito de Morais tinha previsto, voltou para o PS (num congresso onde, fique para a história, a minha moção de transformar a UEDS num Partido Radical teve 1/3 dos votos!)
Passamos por muita gente que recordamos e por muita que esquecemos. Do Tito de Morais recordo a integridade e as sólidas bases políticas, e estórias pessoais, assim como a solidariedade empenhada. Com ele recordo esses momentos de luta e de afectos, num período difícil (e qual não é, há que dizê-lo!) e a partilha do pão e do vinho.
António Eloy
(recebido por email em 2009.12.11)