Sapientíssimo Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, Caro Amigo António Reis
Estimada Amiga Maria Carolina Tito de Morais, Presidente da Comissão Executiva das Comemorações do Centenário de Tito de Morais
Demais membros dessa Comissão
Caro irmão Luís Medeiros Ferreira, digno representante da Loja José Estêvão
Companheiros Oradores José Paulo da Silva Graça e Manuel Tito de Morais Oliveira
Demais membros da Família Tito de Morais
Demais Irmãos do Grande Oriente Lusitano
Ilustres convidados
Senhoras e senhores
Manuel Tito de Morais
Quando de minha iniciação como aprendiz maçon, escolhi como nome simbólico Nuno Álvares Pereira. Talvez porque desde os bancos de escola me encantava imaginar a Padeira de Aljubarrota a despachar sete castelhanos com sua pá de forno e D. Nuno a comandar os valentes combatentes lusitanos.
No entanto, no dia do funeral de Tito de Morais, acompanhei seu filho João, meu irmão de vida, no momento em que o caixão foi colocado no carro e, antes da porta se fechar, João ergueu o braço, com o punho fechado, na saudação socialista, e exclamou: "Adeus, Comandante!"
Essa despedida comovente me fez perceber que também eu sentia o velho Tito como meu Comandante e quis que assim continuasse no desenvolvimento de minha ainda recente vida maçónica. Então, em plena emoção, tomei a decisão de que meu nome simbólico deveria ser Manuel Tito de Morais, um grande português da nossa História Contemporânea.
E hoje estamos aqui, no Grande Oriente Lusitano, evocando Manuel Tito de Morais!
O que levaria um homem como Manuel Tito de Morais a ser iniciado aprendiz maçon no Grande Oriente Lusitano, beirando já os oitenta anos, depois de uma tão extraordinária quanto intensa vida de permanente luta política, depois de ter exercido cargos de grande relevância nas instituições nacionais, como deputado, membro do Governo e, culminando sua trajetória, Presidente da Assembleia da República?
Nunca lho perguntei, apesar de ainda termos pertencido à mesma Loja, a Loja José Estêvão, uma das mais antigas do Grande Oriente Lusitano, durante pouco mais de um ano, o seu último ano de vida. Talvez a minha condição de então aprendiz me inibiu de indagar sobre tal decisão, apesar de nossa grande amizade. Para esse meu silêncio, também deve ter contribuído sua já precária saúde, o que me levou a aproveitar os momentos de suas melhoras para, nos nossos encontros, falarmos do Partido Socialista, a sua grande paixão.
Lembro um período muito difícil, de vários meses, no Hospital de Santa Maria, em que algumas vezes perdíamos a esperança de o rever e ouvir, tão longo foi o tempo em coma que atravessou. Quantas vezes, fazendo-me de forte, encorajei o João Tito, que quase sempre acompanhava nas horas da visita, quando ele não conseguia esconder seu temor de perder o pai, seu mestre, seu farol, embora tanto lhe custasse vê-lo inconsciente.
Mas Maria Emília, sua companheira de tantas lutas, valorosa como sempre. Com sua estirpe guerreira, sempre acreditou que conseguiria reanimá-lo e, falando, falando, sussurrando, sussurrando, alteando de novo a voz: "Tito, eu sei que tu me ouves, faz favor de acordar e levantar!", sem arredar pé de perto dele, foi mais uma vez vitoriosa, juntando sua força á dele, que afinal estava vivo e conseguiu voltar mais uns tempos ao convívio de sua família e de seus amigos.
Mas voltando à questão inicial. Ouso pensar que naquele ano de 1990, Manuel Alfredo Tito de Morais, sentiu-se livre de seus deveres oficiais e apto a corresponder de pleno ao trabalho meritório da Maçonaria, com calma e recolhimento, pronto para a tranquilidade do pensamento e da reflexão no templo maçónico. Ele poderia então ser o maçon ritualístico, pois toda a vida já havia sido maçon, mas sem avental.
E esta realidade foi reconhecida pelo seu grande amigo José Magalhães Godinho. Outra grande figura de republicano, socialista e maçon que, ao fazer o discurso de boas-vindas, após a iniciação, proferiu a já conhecida frase relativa a Tito de Morais: "Eis um maçon que já o era antes de o ser!". (E hoje ouvimos Manuel Alegre lembrar, na cerimónia da inauguração do seu busto: "Manuel Tito de Morais já era o Partido Socialista antes deste existir")
Se a Maçonaria sempre teve por especial escopo agremiar homens livres e de bons costumes, que rendem um sincero culto à virtude e procuram os meios de propagar a ética da cidadania, Tito de Morais, naquela altura, não resistiu ao apelo de se irmanar com companheiros socialistas como Magalhães Godinho e Raul Rego e com outros companheiros de ideais republicanos como Ramon de la Feria e Abílio Mendes. (outro maçon ilustre cujos filhos aqui presentes cumprimento pelo reconhecimento da Câmara Municipal de Lisboa que muito recentemente promoveu a inauguração de uma Rua com o seu nome em Lisboa) E assim esse conjunto de magníficos cidadãos ficou enriquecido com a admissão de Tito de Morais como obreiro da Loja José Estêvão, a que todos pertenciam.
Sobre a prática de Tito como maçon, já ouvimos o meu velho amigo e companheiro José Paulo da Silva Graça. Eu quero antes focar, usando a realidade atual, como um homem com o perfil de Manuel Tito de Morais só podia ser maçon, antes e depois, e afinal agora, porque, com tanta energia pulsando em sua memória, por certo nos acompanha no Oriente Eterno.
Socorro-me de um texto do nosso Grão-Mestre António Reis, quando de sua investidura em 2005. A propósito do início da crise europeia, que nos últimos anos tanto se agravou, com a imprevidência dos poderes públicos e a insultuosa ganância dos especuladores, dizia António Reis:
"Mas não é nestas circunstâncias que mais se faz sentir a falta da palavra e da acção dos homens livres e de bons costumes que nos esforçamos por ser? Homens livres e de bons costumes! À força de repetirmos esta bela expressão, corremos o risco de a banalizar e sobretudo de lhe perdermos o seu sentido profundo nos tempos presentes. Homens livres de preconceitos, de vaidade, do egoísmo, das paixões e dos interesses mesquinhos. Homens que lutam contra o terror, a miséria, o sectarismo e a ignorância. Homens que combatem a corrupção e enaltecem o mérito. É este o sentido da nossa liberdade, dos nossos bons costumes. Não há maçonaria fora da aliança destes homens livres e de bons costumes, de carne e osso."
E completava:
"O mundo contemporâneo, afogado em tacanhos materialismos ou dividido pelos dogmatismos religiosos, continua a precisar de quem eleve e una os homens na prática de uma moral universal assente nos superiores princípios da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade e nos seus garantes institucionais da Laicidade, da Cidadania e de Democracia. Ora esse agente de elevação e de unidade moral tem sido desde há séculos a Maçonaria universal. E assim deverá continuar a ser, através das estratégias e dos meios mais adequados aos desafios dos novos tempos."
E quem duvida que Manuel Tito de Morais estaria na linha de frente de todas estas batalhas por uma melhor democracia e por uma sociedade de valores humanistas, jorrando sua admirável determinação como cidadão maçon, laico, republicano e socialista?
E por tudo isso é de inteira justiça que em 2010 se comemore em Portugal o Centenário de Tito de Morais, como ponto muito alto dos100 anos da sua, da nossa República.
Amândio Silva
Lisboa, 30 de Junho de 2010
(Escrito segundo as regras do acordo ortográfico)
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