Socialista de antes quebrar do que torcer
Conheci pessoalmente o Manuel Tito de Morais em Agosto de 1973, quando, na companhia de Sottomayor Cardia e de Marcelo Curto, me desloquei a Paris para participar nas reuniões do Secretariado do Partido Socialista, destinadas a ultimar a primeira Declaração de Princípios e o primeiro Programa do PS, ainda na clandestinidade. Tinha 25 anos muito sangue na guelra e uma certa desconfiança ideológica em relação à “velha guarda” do PS, que suspeitava de inaceitáveis tentações reformistas social-democratas... Qual não foi, porém, o meu espanto ao confrontar-me com o radicalismo programático tanto do Tito como do Ramos da Costa, que o Mário Soares e o Campinos tentavam sem êxito sofrear, em intermináveis discussões numa sala da sede da Fundação ligada ao PS francês! Surpreendido com aqueles aliados inesperados, a corrente de simpatia e amizade mútua rapidamente se estabeleceu para não mais se perder. E quantas vezes não dei por mim, ao longo destes 23 anos, a ver-me superado em determinação, arreigadas convicções, intransigência ideológica ou simplesmente estratégica, pelo Manuel Alfredo, socialista de antes quebrar do que torcer.
Na resistência à ditadura, na revolução, no poder e na oposição em regime democrático, nunca o Tito se deixou enlear pelos cantos de sereia das atitudes acomodatícias e dos oportunismos tácticos ou pelos “diktats” do realpolitik” frutos tantas vezes de um pragmatismo sem alma. Excessivo e teimoso na sua coerência ideológica? Ingénuo num mundo que persiste em ignorar a utopia e em deitar por terra tantos e tão nobres ideais? Provavelmente sim, em parte. Mas o que seria de nós se não tivéssemos alguém, como ele, com coragem e determinação para, em cada encruzilhada, nos alertar contra as tentações capitulacionistas e contra as ingenuidades de sinal contrário, que também as há? Por isso, o Tito permanece uma referência ética e moral no nosso Partido, cujo exemplo de vida e cuja voz se impõem à consciência de cada militante e de cada dirigente.
Sei que, na sua modéstia de revolucionário e socialista íntegro, ele detesta homenagens, porventura suspeitando também dos refinados exercícios de hipocrisia ou instrumentalização de uma vida a que tais ocasiões tantas vezes se prestam. Mas estou convicto de que ele saberá interpretar esta iniciativa, em boa hora levada a cabo por camaradas militantes de base e não pela direcção do Partido, como a expressão sadia e sincera de um sentimento de admiração por tudo o quanto ele representa no coração dos socialistas deste País e de um desejo de ver os valores por que sempre lutou mais presentes no quotidiano do PS e na acção dos seus governantes. Em tempos de tentações mediáticas de instituir um “jet-set rosa” em tudo idêntico ao “jet-set laranja”, bom é que meditemos um pouco neste exemplo de coerência e austeridade, a fazer lembrar as velhas virtudes cívicas republicanas, hoje infelizmente esquecidas.
António Reis
Fonte: Portugal Socialista 214 – Outubro de 1996