É com agrado e de certo modo como um dever que me associo à homenagem a Tito de Morais por ocasião do centenário do seu nascimento, tanto mais que a evocação da sua figura ocorre num momento da vida nacional que não pode deixar de inquietar todos aqueles que deram parte significativa da sua vida para que os portugueses pudessem não só viver em liberdade, mas igualmente num país soberano e desenvolvido.
Sendo embora de gerações diferentes e de termos percorrido caminhos políticos diferentes, não esqueço o facto de Tito de Morais ter sido um lutador empenhado e convicto contra a ditadura fascista e que, desse modo, tenha inscrito o seu nome na longa lista dos democratas portugueses que, com a sua acção persistente e confiante, criaram as condições para o derrube da ditadura fascista e a conquista da liberdade.
O que conheço de Tito de Morais resulta do relacionamento político que com ele mantive no âmbito da Assembleia da República e das relações inter-partidárias. Ambos integrámos delegações dos nossos partidos em variados encontros bilaterais.
Tito de Morais fez parte daqueles democratas que compreendiam quanto era importante a unidade dos antifascistas, e em particular a unidade com os comunistas, para o desenvolvimento da resistência ao fascismo, compreensão que o levou por vezes a intervir pessoalmente para que fossem ultrapassadas dificuldades que aqui e ali surgiam no campo das forças antifascistas. Lembrarei, a título de exemplo, as suas diligências junto de Álvaro Cunhal, em Junho de 1963, aquando de dificuldades surgidas no seio da Frente Patriótica de Libertação Nacional.
A contribuição de Tito de Morais em diferentes momentos, já como membro do PS, para se alcançarem entendimentos com o PCP deve igualmente ser realçada. Tito de Morais não ignorava que a unidade pressupunha a fixação de objectivos comuns.
Nesta altura julgo ser oportuno recordar dois momentos de grande importância no relacionamento PCP/PS, nos quais Tito de Morais se empenhou de forma particular para que se desenvolvessem as relações interpartidárias.
Em Abril de 1974, poucos dias antes da Revolução de Abril, teve lugar um encontro entre a direcção do PCP e a Comissão directiva do PS, no qual ambas as delegações partilhavam um enorme optimismo e confiança quanto à evolução da situação política nacional. Ambas as delegações não só coincidiam quanto ao evoluir da situação política, mas também quanto ao rumo que o país deveria seguir uma vez derrubado o fascismo.
A este respeito, é altura de lembrar e não deixar esquecer uma passagem do comunicado conjunto saído desse encontro:
«As duas delegações concordaram na necessidade de intensificar a luta por melhores salários e contra a carestia da vida, de fazer frente ao domínio dos monopólios com vista à sua liquidação, de lutar por uma solução nacional que encaminhe o país para o desenvolvimento económico independente em benefício do povo português».
Refira-se, ainda, que esta «plataforma» comum foi subscrita ao mais alto nível por ambos os partidos.
É pois com alguma perplexidade que hoje se toma conhecimento de que Tito de Morais, na opinião de companheiros do seu Partido, era um radical, caracterização que pode explicar que quando da crise política de 1978, ano em que tiveram lugar variados encontros entre delegações do PCP e do PS e nas quais se discutiram eventuais saídas para a crise na base do entendimento entre os dois partidos, Tito de Morais – talvez o único dirigente do PS que sinceramente esteve empenhado na possibilidade desse entendimento – tenha deixado de integrar as delegações do PS a partir do terceiro encontro.
Tendo os encontros começado com a afirmação de Tito de Morais de que finalmente «os pontos convergentes (entre os dois partidos) permitiam ver o futuro» e de que, segundo Jorge Campinos, havia «condições políticas, militares, nacionais e internacionais para a saída da crise dar uma viragem à esquerda», o PS evoluiu para a impossibilidade de um acordo na base de que «o entendimento dos dois partidos levaria fatalmente ao agrupamento da direita». Sabemos a que conduziu a evolução política do país este «encostar» do PS à direita.
E foi precisamente pelo empenho de Tito de Morais para que se encontrasse uma solução para a crise política de então, na base do entendimento dos dois partidos, que a delegação do PCP, da qual fiz parte, tivesse informado previamente Tito de Morais de que as negociações tinham falhado.
Há quem diga que Tito de Morais defendia convictamente «o socialismo em liberdade» ou, no dizer de outros, «o socialismo democrático». De um modo geral a adjectivação só tem servido para renunciar ao socialismo, para a aceitação do capitalismo como o melhor dos mundos possíveis.
Mas uma coisa eu tenho como certa: Tito de Morais, ainda que imbuído da crença de um certo espontaneismo social, considerava inequivocamente o capitalismo um sistema injusto e desumano e que era necessário um sistema sócio-económico compatível com a justiça social e a moral, o que não era obviamente o capitalismo.
Maio de 2010
Domingos Abrantes
Membro do Comité Central do PCP
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