A coragem de um combatente e a fraternidade de um homem
Relembrar o meu Pai é para mim simultaneamente relembrar a sua personalidade e o seu pensamento político.
Homem corajoso e determinado que se entregava, de alma e coração, às causas em que acreditava, homem que desde a sua juventude sentiu o peso da ditadura e das atrocidades cometidas por esta.
Desde sempre tivemos uma ligação de grande cumplicidade. Bastava um olhar. Tudo ficava iluminado. Emanava uma força inesgotável que abria caminhos e ao mesmo tempo nos confortava.
A instauração da democracia e do socialismo em Portugal, a construção de um país melhor, mais justo e fraterno foram as bandeiras por que sempre lutou.
Nunca vacilou, nunca perdeu a esperança, mesmo nas ocasiões mais difíceis que atravessaram a sua vida.
E muitas houve. Preso três vezes, obrigado a ir trabalhar para Angola em resultado das suas opções políticas, que o levaram igualmente mais tarde ao exílio, o meu Pai teve de deixar para trás os pais e os filhos.
Esta separação forçada da sua família e da sua terra nunca apagou nele o amor que lhes tinha, mais, deu-lhe força redobrada para lutar.
O 25 de Abril de 1974 foi o dia da glória. Os capitães de Abril concretizaram os anseios dos portugueses, deram forma ao combate que milhares de democratas, antifascistas e anticolonialistas travaram durante quase cinco décadas.
Para o meu Pai foi também o reagrupamento familiar. Juntou-se aos filhos, aos netos e depois aos bisnetos, alguns dos quais chegou ainda a conhecer.
Foi um “verdadeiro chefe de clã”, agregando todos à sua volta, com o seu humanismo, marca indelével da sua personalidade.
“ (...) eu sei que dei tudo o que me foi possível para se formar em Portugal um Partido Socialista e para se derrotar o fascismo. Coloquei como prioritário na minha luta política, este objectivo”, diria o meu Pai no discurso que proferiu na Homenagem Nacional que lhe prestaram em 30 de Novembro de 1996.
Na ocasião, recusou o carácter pessoal da homenagem e assumiu-a como tendo sido escolhido como símbolo da luta travada e a travar pela liberdade, pelos direitos humanos, pela construção de uma sociedade socialista.
Esta modéstia e desprendimento eram também uma característica sua, que muito orgulho nos dava. E é um grande orgulho para mim ser sua filha.
O meu Pai foi um homem fiel à República, à Democracia e ao Socialismo até ao fim da sua vida. Quando se avizinhavam coligações com a direita, a sua palavra fazia-se sempre ouvir.
No discurso já citado pode ler-se que “é necessário fortalecer o campo de acção que passa pelo fortalecimento do Partido e pela escolha dos aliados”. “Estes só os poderemos encontrar na esquerda, que embora tenha de ser renovada tem princípios intocáveis”, afirmou na ocasião.
Manuel Tito de Morais foi um altruísta. Manuel Tito de Morais foi um democrata.
Maria Carolina Tito de Morais
Presidente da Comissão Executiva das CCTM
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