Camarada Tito
Há nele uma nobreza e uma inteireza antigas. E dele se poderia dizer, como Sá de Miranda: “Homem de um só rosto e de um só parecer”. Homem que nunca quebrou nem torceu: nem na cadeia, nem no exílio, nem nas horas mais duras e amargas de uma vida cuja história se confunde em grande parte com a história da resistência anti-fascista e do combate pela instauração da Democracia em Portugal. Antes e depois do 25 de Abril. No MUNAF, no MUD, nas campanhas de Norton de Matos, e de Humberto Delgado, na luta clandestina e revolucionária, nos movimentos de unidade antifascista e nas múltiplas iniciativas que haveriam de conduzir, primeiro à Acção Socialista Portuguesa, depois ao partido Socialista. No interior, em Angola, no Brasil, em Argel, em Roma, Manuel Tito de Morais esteve sempre na primeira linha. Fundador, com Piteira Santos, da emissora de resistência, “A Voz da Liberdade”, fundador do “Portugal Socialista”, fundador, com Mário Soares e Ramos da Costa, do Partido Socialista, nunca desistiu, nunca se rendeu, nunca deixou de acreditar.
Quando o conheci em Argel, ainda não havia Partido Socialista. Mas de certo modo ele já era o PS antes de o PS o ser. Será sempre o PS, mesmo quando o PS tiver a tentação de o deixar de ser.
Não há ninguém tão teimoso. Mas é difícil encontrar alguém tão firme nas suas convicções e ao mesmo tempo tão fraterno. No exílio, a sua casa estava sempre aberta, havia sempre lugar à mesa para mais uma havia sempre um colchão onde deitar um camarada recém-chegado. Assim continuou sendo pela vida fora.
Não é preciso bater à porta de Tito de Morais: ela está sempre aberta. Como o seu coração de socialista eu não se rende nem se acomoda nem se deixa enganar por modas. É certo que não gosta que mexam nos símbolos. Não é por conservadorismo. Mas pela convicção de que a subversão dos princípios começa sempre pela diluição dos símbolos. Por isso está atento, vigilante e não deixa nunca de protestar e rezingar. Não quer uma esquerda envergonhada nem um PS disfarçado. Quer uma esquerda que não tenha medo de ser esquerda e quer um PS que não tenha vergonha de ser socialista.
Ele é o PS de punho e bandeira vermelha. Porque ele é o Tito. O camarada Tito. Aquele que sendo Presidente honorário do Partido e tendo sido a segunda figura do Estado é, antes de tudo, um militante. Alguém que gosta da palavra camarada. Um símbolo da esquerda portuguesa. Uma referência insubstituível do Partido Socialista.
Manuel Alegre
Fonte: Portugal Socialista 214 – Outubro de 1996