![PortugalSocialista214.jpg]()
Conheci-o pessoalmente, só em 1973, numa reunião em Vigo, na Galiza, onde fui com António Macedo e Mário Cal Brandão para nos encontrarmos com o Mário Soares, o Jorge Campinos, o Francisco Ramos da Costa e o Tito de Morais.
Tudo isto, se a memória não me atraiçoa, em Julho de 73, depois de ter ido a Paris em Junho do mesmo ano, para falar com Mário Soares, que então me ofereceu a edição francesa do "Portugal Amordaçado", em versão reduzida, como agora sabemos, e com o título francês "Le Portugal Bailloné".
Meses antes, em 19 de Abril de 1973, tinha sido constituído o Partido Socialista da era contemporânea e tornava-se necessário captar militantes e organizar o PS.
Durante o Verão de 73, eu e outros fundadores discutimos e redigimos a versão do “interior” para a Declaração de Princípios e o Programa do Partido Socialista.
Mas era necessário, antes disso, conhecer o coração da organização e propaganda do Partido que o Tito de Morais dirigia em Roma, com o principal apoio do Partido Socialista Italiano de Francesco di Martino.
Por esse motivo, foi aprovada a minha deslocação a Roma para conhecer melhor e receber o legado da experiência e da autoridade do Tito de Morais. Era em Roma que ele redigia, exigia colaboração e fazia imprimir o Portugal Socialista.
Tratava-se, como disse Mário Soares no prefácio à colecção de todos os números do jornal publicados na clandestinidade, de “forjar um instrumento de luta e de denúncia eficaz contra o fascismo e o colonialismo”, graças à pertinácia de Manuel Tito de Morais e à solidariedade do Partido Socialista Italiano.
Na verdade, é a Tito de Morais que se fica a dever a publicação do Portugal Socialista, pois “quaisquer que fossem as dificuldades – e eram muitas – havia que vencê-las”, como ele diz nas palavras introdutórias ao livro citado e publicado em 1977.
![PortugalSocialista196701.jpg]()
Apesar de ele dizer que "não fui eu que fiz o Portugal Socialista", é na realidade a Tito de Morais que se deve "uma das principais armas de que nos servimos na luta contra o fascismo". E acrescenta: "É lícito, penso, perguntar se, sem o Portugal Socialista, o PS seria o que foi em 1 de Maio de 1974". É lícito e indubitável, a influência que o jornal exerceu como testemunho da existência da Acção Socialista Portuguesa e, a partir de 1973, do Partido Socialista.
![PortugalSocialista01.jpg]()
O seu primeiro número é publicado em 1 de Maio de 1967 e logo na primeira página se esclarece que os artigos não assinados "...representam a orientação oficial da Acção Socialista Portuguesa".
Na última página desse 1º número, afirma-se: "A ASP luta por todos os meios ao seu alcance e incansavelmente, pelo derrubamento da ditadura fascista e pela instauração, em Portugal, do socialismo democrático".
A tarefa e o esforço de Tito de Morais estão bem expressos nestas palavras. A sua luta contra o fascismo passa pelas lutas estudantis, pelo MUNAF, pelo MUD, pelas cadeias do Aljube e de São Paulo em Luanda, pelo exílio na Alemanha, no Brasil, em Argel – onde representava a Resistência Republicana e Socialista na Frente Patriótica de Libertação Nacional – enfim, em Roma, onde o fui encontrar.
Aí verifiquei a sua total dedicação do Partido Socialista e ao seu jornal, o seu conhecimento político e pessoal da vida política italiana, europeia e da diáspora da resistência portuguesa ao fascismo salazarista/caetanista, as suas ideias e experiência que me permitiram colaborar na elaboração da Declaração de Princípios e do Programa do Partido Socialista publicado em Setembro de 1973 no Portugal Socialista, já desde Agosto com a menção na primeira página do nome de Tito de Morais como responsável da publicação do jornal.
Mas a grande luta que Tito de Morais desenvolve através do Portugal Socialista é a luta pela organização dos socialistas portugueses.
Esse leit-motiv surge em quase todos os números do jornal desde a sua fundação. O seu nº 2 e no editorial que é dele, Tito de Morais, sob o título "Rumo ao Futuro", a par dos objectivos da luta contra o fascismo, afirma: "Portugal Socialista tem assim uma feição prática: contribuir para a estruturação política e organização das socialistas portugueses no quadro da Acção Socialista Portuguesa".
Toda a repressão policial salazarista passa pelas páginas do Portugal Socialista: "Contra a censura", de 13 de Novembro de 1967; um abaixo-assinado ao Presidente da Assembleia Nacional no nº 7 de 1 de Dezembro de 1967 e outro de 25 de Janeiro de 1968, a deportação de Mário Soares para São Tomé, no nº 10 de Março de 1968; no nº 10 de Março de 1968 "O fim do ditador", dando conta da queda da cadeira de Salazar, no nº 14 e logo no nº 15 Ramos da Costa instituía um texto da 1ª página: "De profundis pelo ditador Salazar".
Em Janeiro de 1969, no nº 17, sob o título "a ASP e o momento político" afirma-se: "A ASP não tem quaisquer ilusões quanto à margem de liberalização que Marcelo Caetano, ele próprio prisioneiro dos ultras, será capaz de oferecer ao País".
Em Setembro de 1966, no seu nº 21, o Portugal Socialista publica um artigo que revela a preocupação fundamental de Tito de Morais: o seu título é "Organizar!".
No nº 22 de Outubro de 1969, na primeira página, sob o título "Atenção trabalhadores", ataca-se o PCP e as manobras do Avante acerca da visita a Portugal de 2 representantes da CISL, denunciando o divisionismo do PCP e defendendo a Unidade Sindical.
No nº 23 de Fevereiro de 1970, na página 7, mais uma vez Tito de Morais assina um artigo com o título "Organizar".
No nº 24 de Março de 1970, sob o título de primeira página "Basta com a repressão", denuncia-se a prisão de Francisco Salgado Zenha porque, como diz o jornal, segundo a "nota oficiosa", "tinha intenção de proferir na Faculdade de Direito de Lisboa uma conferência contra a guerra colonial".
No nº 25 de Maio de 1970 é denunciada a prisão de Jaime Gama. Sob o título "A ASP em defesa dos direitos dos trabalhadores", o nº 28 de Fevereiro de 1971 dá conta da "Queixa da CISL apresentada na OIT contra o Governo português em virtude dos atentados por ele cometidos contra as liberdades e os direitos sindicais" devida à demissão compulsiva dos dirigentes sindicais metalúrgicos.
Esta repressão arbitrária contra António dos Santos Júnior, Carlos Alves e Luís Faustino vai dar origem a um livro em que eu e o Victor Wengorovius denunciamos, através de um processo judicial, a intromissão arbitrária do Ministério das Corporações na destituição daqueles dirigentes sindicais. O livro tem o título "Uma questão sindical" e é incluído numa "lista de livros que se devem ler" no nº 30 de Outubro de 1971 do Portugal Socialista.
É ainda a mortalidade infantil em 1963, em Portugal (474 em 1000 nados vivos, contra 100 na Suécia e 262 em Espanha), no nº 5 de 1 de Outubro de 1967, e no mesmo nº a notícia do grupo da LUAR que se apodera de 30.000 contos no Banco de Portugal na Figueira da Foz, em Maio de 1967, "para serem utilizados no financiamento e preparação do movimento revolucionário", a morte de Che Guevara no nº 6 de 1 de Novembro de 1967, o caso Ballets Roses de Correia d’Oliveira (Nº 8 de 1 de Janeiro de 1968), curiosamente uma trombose cardiovascular que Salazar teria sofrido em fins de Fevereiro de 1968 (nº 11 de 1 de Abril de 1968), a morte de António Sérgio (Nº18 de Março de 1969), a de Manuel Mendes (nº 20, Julho de 1969), a recordação e homenagem a Humberto Delgado no 5º aniversário da sua morte (nº 23 de Fevereiro de 1970) e os incidentes com os católicos progressistas na Capela do Rato na noite de 30 de Dezembro de 1972 (nº 34 de Janeiro de 1973).
![TitoMBarrosoPalmaInacio102401.jpg]()
Esta obra de pertinácia (como diz Mário Soares), de esforço e dedicação permanente de Tito de Morais no Portugal Socialista, sobretudo pela captação de militantes (e não adeptos, como ele frisa algures no jornal) e pela organização do Partido Socialista, iria dar os seus frutos a seguir ao 25 de Abril de 1974.
É o Tito de Morais, com efeito, que nos leva a participar na manifestação do 1º de Maio de 1974, com a bandeira do Partido à frente dos seus militantes, com o punho erguido que ele concebeu e fez imprimir em Itália em Setembro de 1973, sob fundo vermelho em circunferência, partindo uma espada e com uma circular com letras douradas onde se lê "Partido Socialista".
Foi com este símbolo e com esta bandeira que chegámos a primeiro Partido português que hoje continuamos a ser.
É o Tito de Morais que toma nas suas mãos antes e depois do 25 de Abril a tarefa ingente de organizar, organizar e organizar o Partido Socialista, os seus ficheiros, os seus departamentos e também a sua acção e contribuir, decisivamente, para a consolidação do socialismo democrático como Partido de militantes que queremos continuar a ser.
Mas não é só o Partido Socialista que lhe fica a dever a sua organização, estruturação e acção militante; é também a democracia portuguesa que se afirmou e hoje caminha e se confirma mais forte e segura contra todas as tentativas falhadas de poder totalitário e de poder pessoal que tem uma dívida de gratidão e de homenagem a um dos seus principais obreiros que é Tito de Morais.
Marcelo Curto
Fonte: Portugal Socialista 214 – Outubro de 1996
Imagens: Portugal Socialista nº 1 da ASP (1967) e nº 1 do PS (1973)
Fotografia do 1º de Maio de 1974 - Palma Inácio, Maria Barroso e Tito de Morais
Espólio de Tito de Morais
© CCTM (85)